segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ENTENDENDO O ANALFABETISMO BÍBLICO NO BRASIL




Por Vinicius O. S. Guimarães*


Por esta razão, nós também, desde o dia em que o ouvimos,
não cessamos de orar por vós, e de pedir que sejais cheios do conhecimento da sua vontade, em toda a sabedoria e inteligência espiritual”
                 
O Brasil é o penúltimo lugar no ranking de alfabetização na América do Sul, segundo fonte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, divulgado em 2007. O Brasil tem aproximadamente 11,1 % da população que não sabem ler e escrever, isto representa algo próximo a 14 milhões de pessoas. Deste modo, o Brasil faz parte de um grupo de países alvo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – Unesco, equiparando-se a outros países como Egito, Marrocos, China, Indonésia, Bangladesh, Índia, Irã, Paquistão, Etiópia e Nigéria. Tristemente, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Pnad, divulgado em 2007, apontam que menos de 50% dos alunos de 15 a 17 anos estão no ensino médio no Brasil. Por estas e outras razões, o analfabetismo lingüístico brasileiro se constitui num dos maiores desafios sócio-educacionais.

Nas periferias brasileiras se encontram a maioria destes aglomerados de analfabetos, agravando a desigualdade social e abafando perspectivas de vidas. Paradoxalmente (e divinamente) foi neste cenário caótico que a Igreja Brasileira conseguiu se estabelecer e crescer, principalmente a linha evangélica denominada Pentecostal. Há pesquisadores que admitem que a Igreja se tornou o ponto de referencia para estas comunidades em estado de vulnerabilidade social, pois nas periferias há ausência do Governo, pouca infra-estrutura e distanciamento dos centros acadêmicos, entre outras razões. Assim, nas periferias brasileiras surgiu a Igreja, como que sendo uma “luz no fim do túnel” do analfabetismo e combatendo a desigualdade social.

A Igreja se estabeleceu nas periferias como um ponto de reconstrução e reintegração social. Assim sendo, a proposta eclesial se demonstrou nobre e satisfez pressupostos bíblicos. Contudo, para que tal iniciativa pudesse influenciar de forma significativa as comunidades carentes seria necessário um grupo de pessoas capacitadas intelectualmente e teologicamente, o que invariavelmente não aconteceu. As grandes Igrejas que tinham condições de fazer algo para diminuir o analfabetismo ou de minimizar as discrepâncias sociais não quiseram sair da redoma de conforto presente nas igrejas dos centros metropolitanos. O resultado era inevitável, surgiu nas periferias um novo modelo de analfabetismo, que será denominado: analfabetismo bíblico.

O analfabetismo bíblico surge originalmente desta incapacidade intelectual e teológica dos grupos religiosos das periferias, que por vez foram intencionalmente “esquecidos” pela própria cristandade mais abastada. Por uma ausência de discipulado, os líderes evangélicos das periferias tiveram que aprender sozinhos como entender a bíblia, mesmo sem entender de língua portuguesa. Estes analfabetos igreijeiros de baixa classe social às vezes conseguem ler o texto bíblico e quase sempre não conseguem interpretar. E então, por falta de orientação espiritual e lingüística, eles distorceram e distorcem os textos bíblicos, ou pior, como não sabem interpretar, a “válvula de escape” mais tangível foi espiritualizar o texto por meio das famosas “revelações”.
Estes analfabetos bíblicos são frutos do desapreço da Igreja Brasileira. As igrejas deveriam ter desenvolvido um bom plano educacional de alfabetização, e posteriormente um excelente plano educacional de teologia. Por esta ausência lingüística e teológica tem-se que admitir que interpretar erroneamente os textos bíblicos foi o único caminho que estes cristãos da periferia conseguiram trilhar para não perderem a fé. Portanto, culpar estes por não usarem os princípios hermenêuticos para corretamente interpretar as Sagradas Escrituras é no mínimo fingir não ver a realidade social em que estes estão inseridos. Os analfabetos bíblicos da periferia são antes de qualquer coisa analfabetos lingüísticos, ou seja, eles erram por falta de conhecimento e por serem indubitavelmente limitados gramaticalmente.

O caminho de volta para refazer as lacunas do analfabetismo bíblico nas periferias parece ser dificílimo, pois várias destas igrejas desfrutaram de um crescimento numérico. E, tristemente, a numerolatria – veneração por crescimento numérico na igreja, se tornou o “fiel da balança” para mensurar se algo está certo ou errado na cristandade. Sendo assim, os olhos estão postos no fim, não no meio, e como o fim é distante demais para se realmente ver é mais cômodo acreditar que “vai dar tudo certo” e que este analfabetismo bíblico das periferias é apenas a “multiforme graça de Deus” e/ou maneiras de se viver a “liberdade cristã”. Assim, um grande erro eclesiástico se tornou mais aceitável pelas cegas massas evangelicais.

Os que ingenuamente são analfabetos bíblicos por falta de iniciativas sociais podem reescrever uma nova história nas periferias do Brasil, pois o que lhes faltam é somente qualificação, e isto se adquire em cursos. Contudo, há outro tipo de analfabeto bíblico que não se encontra nas periferias brasileiras, mas sim nos grandes centros urbanos do país. Este segundo tipo de analfabetos bíblicos é o que realmente destroem a Igreja, pois estes têm conhecimento da verdade, mas intencionalmente distorcem a mensagem bíblica a fim de ludibriar os fiéis. Estes são analfabetos por convicção e conseguem tornar rentável a distorção de textos sagrados, anulando completamente os princípios básicos da hermenêutica bíblica. Os analfabetos bíblicos das periferias o são por falta de oportunidades, os analfabetos bíblicos dos centros urbanos o são por desmoralização.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são pessoas altamente instruídas linguisticamente, mas completos ignorantes no que tange à teologia e estudo bíblico. A premissa básica para que haja a proliferação destes analfabetos bíblicos é simples, pois um povo sem instrução bíblica é facilmente manipulável. Um povo sem direção teológica acredita em tudo sem questionar as reais intenções por detrás das engenhosas oratórias dos líderes. Uma igreja sem conhecimento profundo das Sagradas Escrituras precisa ficar motivando as pessoas todos os domingos, o que os torna altamente dependentes de programas eclesiásticos dominicais.  Um arraial sem cultura teológica prefere sentir a ter que pensar, preferem música a ter que ouvir pregações, preferem o lúdico a ter que utilizar a caneta.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são enfermos demasiadamente perigosos e auto-destrutivos para a cristandade. Estes vivem numa pandemia degenerativa, pois desconstroem a centralidade bíblica no seio da igreja, incitam uma neurose desmedida aos líderes, valem-se da fé como meio de satisfação pessoal e contaminam a verdade salvífica de Cristo Jesus. Estes analfabetos bíblicos visam enfraquecer as massas com a ausência de Bíblia nos cultos, evitado assim que as pessoas sejam seres pensantes e agentes de transformação. Sempre discursam mensagens que não tem implicação fora do ambiente eclesiástico dominical, o que provoca um retardo espiritual incalculável nos ouvintes.

Os analfabetos bíblicos dos centros urbanos são cristãos sem os pilares da teologia o que favorece imperceptivelmente a proliferação do sincretismo religioso. Por exemplo: a oração pelo copo com água – prática do espiritismo que visa à fluidificação da água o que supostamente ajuda no equilíbrio do corpo físico e espiritual; o comércio de relíquias sagradas (e.g. arca da aliança, cruz e etc) – práticas do catolicismo romano medieval que visam a personificação do sagrado e a aproximação com o divino; a veneração pelo templo como Casa de Deus – prática do judaísmo que entendia que Deus habitava literalmente e limitadamente no Templo, por isto o salmista carinhosamente o chamou de Casa de Deus.

As causas deste analfabetismo bíblico dos centros urbanos são inúmeras, mas todas têm uma mesma origem: líderes despreparados teologicamente. Algumas mudanças comportamentais poderiam ajudar, por exemplo, o simples fato das Igrejas exigirem dos candidatos a vocação pastoral um curso de teologia reconhecidamente competente já minimizaria substancialmente este problema. Contudo, tal alínea merece uma ressalva por atualmente haver vários cursos de teologia no Brasil que são meras fachadas acadêmicas, pois não estimulam o pensar teológico, não “provocam” os alunos a produzirem um saber bíblico e não constroem uma teologia útil para a edificação da Igreja.

A banalização do título de pastor no Brasil foi outro fator que corroborou de forma expressiva para a sedimentação dos analfabetos bíblicos nas igrejas tupiniquins. Há tempos atrás era exigido um compêndio de exigências morais, éticas, familiar, espirituais e teológicas dos candidatos ao episcopado. Entretanto, as ordenações em muitas denominações evangélicas brasileiras se resumem em nepotismos e interesses políticos. A falta de exigências intelectuais e espirituais favoreceu a banalização do título de pastor, mas não anulou o poder de influencia deste sobre as massas. Daí tem-se analfabetos bíblicos pastoreando ovelhas que por “tabela” o serão também.

E por fim, há analfabetos bíblicos no Brasil, pois os brasileiros por natureza confundem incapacidade crítica com ser receptivo, confundem falta de convicção com ser compassivo e confundem desinteresse social com ser tolerante. O que a Igreja Brasileira está precisando é de bons pastores-professores de teologia que sejam apaixonados pela igreja ao ponto de não desistirem dela. Educadores teológicos que sejam capazes de criticar os erros da igreja brasileira, mas que descortinem um caminho melhor, possível e mais bíblico. Pastores-professores que sejam alfabetizados biblicamente ao ponto de se disporem a lutar por uma (re)construção intelectual e espiritual no seio da Eclésia, quer estes estejam na periferia ou nos centros urbanos.

“Sustenta-me conforme a tua palavra, para que viva, e não me deixes envergonhado da minha esperança. Sustenta-me, e serei salvo, e de contínuo terei respeito aos teus estatutos”.

Que Deus nos ajude!

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A ORAÇÃO SIMPLES


Não existe oração errada. Aliás, a oração errada é aquela que não é feita. A Bíblia Sagrada ensina que se deve orar a respeito de tudo. Orar por qualquer motivo, qualquer hora, qualquer lugar, sempre que o coração não estiver em paz. Tão logo o coração experimente apreensão, preocupação, medo, angústia, enfim, seja perturbado por alguma coisa, a ação imediata de quem confia em Deus é a oração.

O apóstolo Paulo diz que não precisamos andar ansiosos por coisa alguma, mas em tudo, pela oração e súplicas, com ação de graças, devemos apresentar nossos pedidos a Deus, tendo nas mãos a promessa de que a paz de Deus que excede todo o entendimento, guardará nossos sentimentos e pensamentos em Cristo Jesus (Filipenses 4.6,7). A expressão "coisa alguma" inclui desde uma vaga no estacionamento do shopping center quanto o fechamento de um negócio, o desejo de que não chova no dia da festa quanto a enfermidade de uma pessoa querida.

Esta experiência de oração é chamada de oração simples: orar sem censura filosófica ou teológica, orar sem se perguntar "é legítimo pedir isso a Deus?" ou "será que Deus se envolve nesse tipo de coisa?". Simplesmente orar.

A garantia que temos quando oramos assim é a paz de Deus em nossos corações e mentes. A Bíblia não garante que Deus atenderá nossos pedidos exatamente como foram feitos: pode ser que a vaga no estacionamento não seja encontrada e que chova no dia da festa. A oração não se presta a fazer Deus trabalhar para nós, atendendo nossos caprichos e provendo o nosso conforto. Já que a causa da oração simples é a ansiedade, a resposta de Deus é a paz. O resultado da oração não é necessariamente a mudança da realidade a respeito da qual se ora, mas a mudança da pessoa que ora. A mudança da situação a respeito da qual se ora é uma possibilidade, a mudança do coração e da mente da pessoa que ora é uma realidade. Deus não prometeu dizer sim a todos os nossos pedidos, mas nos garantiu dar paz e nos conduzir à serenidade. Não prometeu nos livrar do vale da sombra da morte, mas nos garantiu que estaria lá conosco e nos conduziria em segurança através dele.

O maior fruto da oração não o atendimento do pedido ou da súplica, mas a maturidade crescente da pessoa que ora. Na verdade, a estatura espiritual de uma pessoa pode ser medida pelo conteúdo de suas orações. Assim como sabemos se nossos filhos estão crescendo observando o que nos pedem e o que esperam de nós, podemos avaliar nosso próprio crescimento espiritual através de nossos pedidos e súplicas a Deus. As orações revelam o que realmente ocupa nossos corações, o que realmente é objeto dos nossos desejos, o que nos amedronta, nos desestabiliza e nos rouba a paz.

O apóstolo Paulo diz que quando era menino, falava como menino, pensava como menino e raciocinava como menino. Mas quando se tornou homem, deixou para trás as coisas de menino (1Coríntios 13.11). Não existe oração certa e errada. Mas existe oração de menino e oração de homem. Oração de menina e oração de mulher. A diferença está no coração: coração de menino e de menina, ora como menino e menina. A nossa certeza é que Deus também gosta de crianças. Por Ed René Kivitz

PLANTIO DE IGREJAS E COMUNICAÇÃO TRANSCULTURAL


Entendendo o mundo invisível

Introdução

Observando grupos animistas e suas sociedades ao redor do mundo vemos que a religião está na raíz de cada cultura como um fator determinante dos princípios da vida. Sem exageros poderíamos afirmar que, na cosmovisão animista, religião é vida e vida é religião. De forma simples poderíamos definir Animistas como um povo no qual, em todas as coisas, é religioso.

Estudando alguns grupos animistas já alcançados pelo evangelho com diferentes níveis de influência cristã comecei a entender que em muitas situações há um abismo de conceitos, interpretações e valores entre os conceitos cristãos e a forma tribal de entender religião gerando assim altas barreiras para o amadurecimento e crescimento da igreja. Uikiid, um cristão em Gana vindo de um contexto animista uma vez disse: “Nós não decidimos fazer parte da nossa religião tribal (fetichismo); nós simplesmente somos parte dela. Nossa tribo não seria uma tribo sem nossa religiãol”. H. Stuart, um antropólogo inglês, afirmou que “por muitos anos observei que crentes africanos vindo de contextos animistas entendiam os princípios cristãos somente quando estavam fora da influência tribal. Voltando para suas aldeias tornavam-se animistas de novo”.

É necessário entender que a mensagem do evangelho não é uma proposta importada para a cultura alvo nem mesmo um diálogo aberto onde valores bíblicos são negociados. É portanto uma resposta (supra cultural mas culturalmente aplicável) de Deus para homens de todas as culturas em todas as gerações, respondendo as questões mais profundas de cada coração.

Assim sendo torna-se profundamente importante percebermos quais são as ‘perguntas’ que desafiam a sociedade alvo antes de começarmos a expor as respostas.

Tradicionalmente o trabalho missionário envolve trazer o evangelho como um pacote fechado que deve ser entendido em seu contexto original. Entretanto, sem conhecer as questões que atormentam e desafiam a cultura alvo torna-se impossível abordar as áreas de tensão na cosmovisão animista especialmente quando tratamos de uma sociedade onde a base do princípio da vida está na possibilidade de resolver problemas diários. O resultado de uma apresentação do evangelho sem pré análise cultural tem sido ao longo da história o sincretismo religioso ou a simples falta de entendimento do evangelho, resultando em afirmações como a de Uikiid e H. Stuart acima.

No sincretismo religioso, Animismo e Cristianismo dividem o mesmo universo. E sabemos que o sincretismo religioso é o declínio da influência missionária onde a possibilidade de apresentação de um evangelho bíblico torna-se uma tarefa dantesca por pelo menos duas ou três gerações.

Na falta de entendimento do sentido do evangelho, por outro lado, cria-se uma Igreja imatura que dificilmente experimentará um crescimento normal não sendo capaz de transmitir o evangelho de forma que faça sentido ao restante do grupo. Um dos grandes desafios que temos perante nós hoje é aprender com o nosso passado e pregar um evangelho que faça sentido na sociedade.

Creio que, na tentativa de avaliar o impacto do evangelho em um grupo que vive em contexto animista, há três principais questões que deveríamos tentar responder:

1. Eles percebem o evangelho como sendo uma mensagem relevante em seu próprio universo ?
2. Eles entendem os princípios cristãos em relação à cosmovisão tribal ?
3. Eles aplicam os valores do evangelho como respostas para os seus conflitos de vida ?

Para analizar parte do problema primeiramente nós precisamos entender que uma sociedade animista possui, em níveis diferentes, vive sob um conceito integral, natural e contrapuntual de religião. E quando o evangelho for apresentado haverá uma grande expectativa de vê-lo promovendo soluções e respostas para estas áreas de conflitos vitais. A falha em propô-lo como resposta existencial resultará em sincretismo ou rejeição.

1. Uma cosmovisão Integral requer um evangelho que trate tanto do céu quanto da terra.

No universo Animista o religioso não se distingue do não religioso; o sagrado do secular; o espiritual do material; o corpo da alma. Religião é parte de toda expressão da vida. Seja comendo, trabalhando, lutando ou descansando a cosmovisão religiosa está presente portanto o universo Animista é um universo integral e não dicotômico.

Nascer em uma sociedade animista tradicional significa tomar parte em todos os rituais e cerimônias que integram as crenças e valores os quais provam não haver ali ateístas. Religião é essencialmente parte da vida. Todas as ações, fatos, eventos e fenômenos possuem um sentido religioso ou são definidos dentro de uma cosmovisão religiosa.

“Animismo”, derivado do Latim “anima” que significa “respirar” está associado à idéia de alma ou espírito que está presente em todas as coisas “animando” o mundo e universo. Assim árvores, rochas, terra e água podem ser vistos como elementos controlados por espíritos onde o visível e invisível se misturam. Crê-se que espíritos podem possuir certos objetos e torná-los suas habitações e através disto exercer influência sobre uma pessoa, família, grupo ou toda uma geração.

Isto primeiramente significa que estamos tratando de uma cosmovisão com valores definidos. Em segundo lugar, esta cosmovisão consiste na mistura de forças visíveis e invisíveis que se relacionam entre si.

Um outro valor central na cosmovisão animista é a religião como um elemento utilitário na sociedade. Estudando as orações dirigidas a espíritos, ancestrais e deuses em cerimônias tradicionais vemos que a maior parte dos pedidos são por bênçãos como fertilidade, saúde, paz, cura, longevidade e vitalidade. Não salvação. Normalmente cerimônias, sacrifícios e orações na cosmovisão animista são a arte de usar poderes sobrenaturais para promover o bem estar humano. Note que religião aqui torna-se mais utilitária e prática do que teológica, uma forma de união entre Deus e homem.

Tenho percebido que cursos para liderança cristã provinda de um contexto animista tem um grande impacto em suas vidas quando princípios bíblicos são aplicados para guiar o povo através dos conflitos diários. Um homem Chokossi uma vez falou-me: “vocês cristãos precisam aprender como falar mais acerca dos efeitos da salvação enquanto estamos vivos, pois já sabemos que no céu será tudo maravilhoso”. O primeiro resultado de uma comunicação não integral do evangelho para uma sociedade animista é que o impacto do mesmo será minimizado. E isto é perigoso, pois gera igrejas imaturas.



2. Um mundo Natural necessita mais do que uma apresentação lógica e apologética do evangelho para entender o plano de salvação de Deus

Animistas não se baseiam em um sistema organizado de doutrinas e teologia, o que evidencia a falta de uma teologia sistemática entre eles. Baseiam-se totalmente na experiência. Não há uma pessoa específica dizendo ter recebido uma mensagem diretamente de Deus para guiar o povo em sua vida moral e espiritual. Há evidências apenas de mensagens recebidas em alguns grupos mas de forma tão esporádica que não formam uma base coerente de valores teológicos. É também impossível, no animismo, apontar-se para um específico homem ou data quando a religião foi fundada. A implicação desta realidade para a comunicação do evangelho é que qualquer tentativa apologética para convencer a sociedade que Cristo é o caminho para Deus não terá um efeito profundo no grupo pois a verdade para eles não se baseia em evidências históricas mas sim em experiências diárias de vida.

Em outras palavras, uma pessoa pertencente a um grupo animista observará muito mais as provas diárias no mundo visível que o Cristianismo lhe trás do que a lógica do seu conteúdo histórico. Se você diz: “Deus é bom” eles esperarão cura, prosperidade, fertilidade e longevidade mesmo sendo o seu conceito de “bondade” diferente.

Entre os Quechuas no Peru a Igreja quase naufragou quando a teologia da libertação se chocou com uma década de sofrimento e perseguição e muitos líderes foram mortos. Creio que Deus usou três líderes quechuas para avaliarem e aplicarem a Palavra nesta situação, respondendo as perguntas levantadas pelo povo.

Após isto nós pudemos ver uma Igreja que sobreviveu e se expandiu, mesmo durante a década de horror. Um hino quechua que ouvi durante um culto naquela época de medo e terror diz assim:
“Deus é grande e tem as respostas;
Mesmo quando está quieto, Deus é maior que o homem;
Quando o sofrimento vier nós oraremos e esperaremos;
Mesmo quando se cala; Deus é maior que a dor ”.

3. Um Animismo contrapuntual exige a manifestação não apenas das causas, mas também da fonte dos conflitos da vida

Precisamos entender que, na cosmovisão animista, causa e consequencia não são vistas dentro do conceito contrapuntual ocidental. Eles começam com uma situação que pede explicações, e talvez intervenção dos ancestrais ou espíritos relacionados. Esta situação pode ser individual ou comunitária como enfermidades, epidemias, infertilidade ou fome. Para eles estes problemas devem possuir não apenas causa, mas também fonte.

Se um ocidental tem pneumonia, normalmente a reação é tratá-la de acordo com a historia de medicamentos e estatísticas de cura. É visto como mais um caso de pneumonia. Na cosmovisão animista esta pneumonia será vista como um problema único. Nenhuma atitude será tomada antes que se saiba o “porquê” desta pessoa estar enfrentando tal situação. A fonte do problema é o fator mais importante e requer um estudo inicial feito normalmente pelos anciãos, curandeiro ou feiticeiro.

Em uma aldeia chamada Jimoni experimentei uma situação clássica quando um homem estava quase a morte devido a problemas do coração. Dirigi algumas horas até parar próximo ao rio Molan, atravessando-o em uma canoa, e chegando à aldeia na tentativa de convencer os anciãos a deixar-me levá-lo a um hospital fora da região tribal. O problema era sério e o homem perdera os sentidos. Eles se reuniram e passaram duas horas e meia tentando descobrir porque aquilo estava acontecendo. Falaram de problemas de relacionamento, palavras que ele havia dito e até mesmo circunstâncias anteriores ao seu nascimento. Finalmente um deles sugeriu que me permitissem levá-lo pois poderiam continuar a conversa mesmo na nossa ausência. Enquanto saíamos carregando aquele enfermo vi pessoas sentadas e quietas por todo o canto, e todos eles procuravam o “porquê”.

Este é um dos motivos pelos quais, em contexto de plantio de igreja entre grupos animistas, precisamos apresentar de forma clara e direta a teologia soteriológica a partir da queda, com forte exposição do pecado humano, o sacrifício do Cordeiro Jesus e o perdão divino. Estando estas ‘fontes’claras em suas mentes e corações será bem mais fácil o entendimento da transformação humana e vida cristã.



Conclusão – Aplicando a teolgia bíblica no mundo animista

Nossa preocupação até o momento tem sido evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para as perguntas que os missionários fazem – uma solução apenas para o mundo externo.

Tippett enfatiza que “quando um povo tribal em uma certa comunidade passa a ver Jesus como um Senhor pessoal, e não um Cristo estrangeiro; quando eles agem de acordo com valores cristãos aplicados à própria cultura vivendo um evangelho que faz sentido à sua cosmovisão; quando eles adoram ao Senhor de acordo com critérios que eles entendem... então nós teremos ali uma igreja entre eles ”.

Contextualizar o evangelho é traduzi-lo de tal forma que o senhorio de Cristo não será apenas um princípio abstrato ou mera doutrina importada, mas sim um fator determinante de vida em toda sua dimensão e critério básico em relação aos valores culturais que formam a substância com a qual avaliamos o existir humano.

Para que isto aconteça é necessário observar alguns critérios para a comunicação do evangelho:

1. Toda comunicação do evangelho dever ser baseada nos princípios bíblicos não sendo negociada pelos pressupostos culturais das culturas doadoras e receptoras do mesmo. Entendo que a Palavra de Deus é tanto transculturalmente aplicável quanto supraculturalmente evidente. É portanto suficiente para todo homem em todas as culturas e gerações.

2. A comunicação transcultural do evangelho dever ter como objetivo final ver a Igreja de Jesus plantada de forma autóctone, com capacidade própria para expansão e amadurecimento. O treinamento de uma comunidade autóctone deve, portanto, estar na mente do movimento missionário antes mesmo da sua chegada.

3. A comunicação transcultural do evangelho deve ser uma atividade realizada a partir da observação, estudo, aplicação e constante reavaliação da mensagem que está sendo comunicada. O objetivo desta constante vigilância é propor um evangelho que possa ser traduzido culturalmente fazendo sentido também para a rotina da vida. É necessário fazer o povo perceber que Deus fala a sua língua.

Fazendo isto esperamos apresentar Cristo como resposta para as questões da vida no universo animista. Um Cristo que seja solução, também, para seu mundo.